quinta-feira, 7 de julho de 2016

Depósito de livros? Ou também símbolo da dignidade do espírito?

Há dois modos de se conceber uma biblioteca. Um atende só ao aspecto material. Os livros, revistas, documentos, estantes, fichários e mesas devem ser conservados com segurança contra a umidade, os incêndios, as traças, os ladrões, etc. De outro lado, documentos, revistas e livros devem ser guardados de maneira a se encontrarem facilmente. Um edifício destinado a biblioteca, concebido "funcionalmente", deve pois corresponder a esse objetivo e não deve ir além desse fim prático.


Para realçar tal noção pode-se dar ao prédio, por exemplo, uma estrutura composta de quatro corpos sucessivamente mais altos, que sugerem a idéia de conjunto de uma imensa cômoda de linhas elementares, formada por quatro partes de tamanhos diversos, destinadas a guardar respectivamente e sem confusão objetos distintos por sua natureza. E, como nos móveis do gênero, podem-se colocar escaninhos por todo lado: são no prédio as janelas. Uma forte desproporção entre as partes da "cômoda" é o tributo pago à extravagância do século.

Está descrito assim, sumariamente, o edifício da Biblioteca Municipal de São Paulo.

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Admita-se, para efeito de argumentação, que esteja por essa forma atendido tudo quanto diga respeito ao livro, à revista, ao documento, ao fichário. E o homem? Melhor: e o leitor?

Entra aí a outra maneira de ver o edifício ideal para uma biblioteca. Concedido tudo quanto é necessário aos objetivos práticos, é preciso entretanto levantar as vistas mais alto. O prédio deve exprimir o aspecto fundamentalmente nobre do mister de ler e de estudar. Ele deve estar em relação com a hierarquia de valores que coloca, em certo sentido, o pensamento no ápice das atividades humanas, precedido apenas pela oração. E por isto deve o edifício ter, quanto possível, uma magnificência régia.

É a esta concepção que corresponde a biblioteca de Coimbra, construída na primeira metade do século XVIII.


Os livros, esplendidamente encadernados, estão dispostos em imensas e sólidas estantes, todas numeradas, onde podem ser facilmente classificados e encontrados. Com os recursos da época, era o que podia haver de "funcional". Mas por outro lado a suntuosidade da decoração tem algo de palácio e algo de igreja. O quadro do Rei de Portugal, D. João V, ao centro, ao mesmo tempo que presta homenagem ao monarca a quem se deve o prédio, põe em relevo quanta consideração tem aos estudiosos aquele que constitui o mais alto degrau na hierarquia política e social.

O edifício não atende só a um objetivo material, isto é, guardar papéis, pergaminhos, estantes, etc., mas também a um objetivo espiritual: realçar aos olhos de todos o prestígio do intelectual, tanto na ordem natural das coisas, quanto, conseqüentemente, na hierarquia de valores da sociedade temporal.

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Talvez objetasse alguém que a Biblioteca Municipal de São Paulo tem uma grandeza monumental que de algum modo constitui homenagem à intrínseca nobreza da vida intelectual.

A objeção não colhe. A nobreza não é um valor estritamente funcional, e não pode, pois, exprimir-se inteira e adequadamente, nem em termos de funcionalidade, nem em termos de tamanho. A nua e mera funcionalidade convém talvez às edificações de caráter industrial, em que a obtenção do produto preside a toda a concepção arquitetônica. Não, porém, a edifícios destinados a atender finalidades que, tendo embora algo de prático, transcendem entretanto do mero domínio da prática. No que diz respeito à quantidade, nela não se exprime tão adequadamente a nobreza, quanto na qualidade.

(Plinio Corrêa de Oliveira, Catolicismo nº 119, Novembro de 1960)

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