sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Um edifício de coerência a serviço da Fé


O primeiro aspecto que chama atenção na escultura do homem que figura nesta foto (*) é o modo de estar de pé. Tal escultura pode bem representar o cruzado no apogeu da Idade Média. Ele apresenta um equilíbrio de corpo perfeito. Os pés não são pés chatos, como os de pato, com a precária firmeza deste. Não. É a estabilidade corporal do homem, na qual não falta uma certa nota de elegância, em que entra algo de espiritual. As pernas, o tronco, os braços, representam a solidez física perfeita de um homem que venceu a ação da gravidade.

Ele não cedeu em nada à preguiça. Mas também não está efervescente, não tem a mentalidade do homem de negócios, que fala em cinco telefones ao mesmo tempo... Mantém-se inteiramente tranqüilo, mas de uma tranqüilidade tal, que seu repouso se volta inteiro para a ação. E atuação que já é, de uma vez, a guerra. A mais absorvente de todas as atividades, aquela que se opõe mais diretamente à preguiça. Não é o trabalho, é a luta. Ele está numa posição em que a qualquer momento pode iniciar o combate. Está fazendo uma proclamação com os grandes braços abertos. É a proclamação perfeita de quem anuncia e ameaça.

Por outro lado, o cruzado permanece numa atitude contemplativa. Sua fisionomia indica que ele não está vendo o que se passa em torno de si. Está olhando dentro de si mesmo. E de dentro de si considera um ideal inteiramente superior, que lhe ilumina a alma: são os princípios a favor dos quais o homem é obrigado a combater.

Ele todo é um edifício de coerência, de metafísica, pronto para descarregar o golpe. Todas as razões do combate lhe estão presentes, tudo raciocinado, coerente, positivo. É um homem profundamente sério. Se acontecer qualquer coisa diante dele, sua visão será a da realidade inteira. Não irá exagerar, nem subestimar, nem torcer a realidade, nem mentir. Ele vê o que acontece e diz o que vê. É o varão sério por excelência.

(*) Cavaleiro do Credo, do famoso escultor Emmanuel Frémiet (1824-1910)

(Plinio Corrêa de Oliveira, excertos conferência, 22 de abril de 1967)

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Esplendor da concepção hierárquica e cristã da vida

A onda satânica do igualitarismo, que desde a revolução protestante do século XVI até a revolução comunista de nossos dias, vem atacando, caluniando, solapando, e fazendo definhar tudo quanto é ou simboliza hierarquia, apresenta toda desigualdade como uma injustiça. Está na natureza humana - dizem os igualitários - que o homem se sinta diminuído e vexado em curvar-se ante um superior. Se o faz, é porque certos preconceitos ou o império das circunstâncias econômicas o obrigam a tal. Mas esta violência à ordem natural das coisas não fica impune. O superior deforma sua alma pela prepotência e pela vaidade que o levam a exigir que alguém se curve ante ele. O inferior perde com seu gesto subserviente algo da elevação de personalidade própria ao homem livre e independente. Em outros termos, sempre que uma pessoa se curva ante outra, há um vencedor e um vencido, um déspota e um escravo.

A doutrina católica nos diz exatamente o contrário. Deus criou o universo segundo uma ordem hierárquica. E dispôs que a hierarquia fosse da essência de toda ordem verdadeiramente humana e católica.

Em contato com o superior, o inferior pode e deve tributar-lhe todo o respeito, sem o menor receio de se rebaixar ou degradar. O superior, por sua vez, não deve ser vaidoso, nem prepotente. Sua superioridade não decorre da força, mas de uma ordem de coisas muito santa, e desejada pelo Criador.

Na Igreja Católica, os costumes exprimem com admirável fidelidade esta doutrina. Em nenhum ambiente os ritos e as fórmulas de polidez consagram mais acentuadamente o princípio de hierarquia. E em nenhum, também, se vê tão claramente quanta nobreza pode haver na obediência, quanta elevação de alma e quanta bondade pode haver no exercício da autoridade e da preeminência.

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Numa Cartuxa espanhola, um monge oscula, genuflexo, o escapulário de seu superior. É a expressão da mais inteira sujeição.

Entretanto, considere-se atentamente a cena, e se verá quanta varonilidade, quanta força de personalidade, quanta sinceridade de convicção, quanta elevação de motivos o humilde monge genuflexo põe em seu gesto. Contém este qualquer coisa de santo e cavalheiresco, de grandioso e singelo, que faz pensar ao mento tempo na "Legende Dorée", na "Chanson de Roland", e nas "Fioretti" de São Francisco de Assis.

Como, genuflexo, este religioso humilde e desconhecido é maior do que o homem moderno, molécula enfatuada, impessoal, anônima e sem expressão, da grande massa amorfa em que se transformou a sociedade contemporânea.

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Depois da humildade do monge, consideremos a do gentil-homem.

O Conde Wladimir d’Ormesson foi até há bem pouco embaixador da França junto à Santa Sé. Em nosso clichê, vemo-lo, revestido do fardão solene de diplomata, ajoelhado ante o Santo Padre Pio XII por ocasião de uma audiência. Seria difícil imaginar uma atitude que exprimisse, tão completamente e ao mesmo tempo, uma alta consciência de sua própria dignidade e um vivo respeito ante a autoridade excelsa e suprema, em face da qual o embaixador tem a honra de se encontrar. O joelho em terra, mas o tronco e o pescoço eretos, a nobreza e a reverência do cumprimento, tudo enfim mostra quanto respeito e quanta dignidade se contém nos tradicionais estilos diplomáticos, dos quais o Conde se mostra aqui intérprete fiel, e que foram elaborados nos séculos áureos da civilização cristã.

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De sua parte, considere-se o Prior. Há como que um contraste entre seu grande vulto branco, ereto, robusto, estável, que exprime autoridade, segurança e paterna proteção, e a expressão fisionômica que parece neutra, impassível, serena, um pouco distante. O vulto exprime a atitude oficial do Prior. A fisionomia traduz o desapego, a simplicidade do homem. Pois não é ao homem enquanto tal, mas ao cargo, que a homenagem se dirige.

E, com o devido respeito, consideremos a posição do Pontífice. Sentado em um pequeno trono, ele não se levanta para receber a homenagem do embaixador. Entretanto, inclina ligeiramente o busto para se aproximar mais do Conde. Conserva sua mão na dele. Dá a toda a acolhida uma nota de amenidade muito marcada. E, mantendo-se embora inteiramente como Papa, dá todas as mostras da mais entranhada benevolência e do maior apreço para com o embaixador.

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Quatro atitudes, inspiradas numa visão muito hierárquica das coisas, todas nobres, dignas, honrosas, embora cada qual a seu modo. Em uma palavra, esplendor da humildade cristã e formosura de uma vida hierárquica...

(Plinio Corrêa de Oliveira, Catolicismo nº 70, Outubro de 1956)